MARíLIA COMO UM BEIJA-FLOR
Ela tinha apenas 26 anos, um filho, o mundo a seus pés e um coração que vivera tanto que parecia ter vivido mais do que todos nós. MM era dona de certas palavras e da melodia. Isto estabelecia empatia imediata com o público feminino (e o masculino, também, por que não?).
Ela deu voz às mulheres que, até então, engoliam caladas a arrogância e a cafajestagem de nós, homens. Sua certeza de que estava certa, no que cantava e fazia, lhe dava enorme segurança, a fazia feliz e deixava as mulheres, que foram infelizes no amor, de alma lavada.
Ninguém se lembra de tê-la visto aborrecida ou queixando-se do quer que seja. Se chorava, era porque não prendia emoção que sentia. As lágrimas cristalinas logo se transformavam num sorriso lindo; dos mais sinceros que já vi. Ela não era apenas porque artistas têm que ser simpáticos.
MM, além de carregar, em si, a alegria e beleza juntas, trazia em seu discurso musical um forte tom libertário, que ia além das mesas de butiquim e chegavam às mentes das mulheres oprimidas que absorviam suas palavras, como um bálsamo para suas dores, mas também como uma resposta definitiva à opressão que engoliram por muitas gerações.
Nunca foi fácil ser mulher no Brasil e no mundo; desde tempos imemoriais, e MM sabia disso. Mas, ao invés de deprimir-se ou levantar bandeiras raivosas, cantava. E como cantava.
Cantava e compunha, desde criança e, mesmo não sendo dona de um padrão de beleza exigido pelo mercado, nem apelando para figurinos vulgares, dos quais as “estrelas” de agora abusam, MM se tornou uma diva de sensualidade natural. Iluminava a todos com a luz e a sabedoria, que vêm dos espíritos superiores.
Inconscientemente, ela carregava, no seu espectro espiritual, algo de Merlyn Monroe, de Dolores Duran, de Ângela Maria, de Inezita Barroso, de Clarice Lispector e da mulher que amamos. Acredito que vocês me entendem, não é?
Suas verdades e certezas estavam inteiramente expostas, como uma rosa que não volta a ser botão. Ela era a Flor de Goiânia – a nossa esplendorosa Nashville do Planalto – onde, inicialmente, negou o sertanejo, mas acabou se apaixonando pelo gênero, depois de uma paixão de esfregar o chifre no chão.
MM, a compositora, como toda poetisa, sabia absorver os sinais divinos, com que a natureza nos presenteia -- tanto nos dias bons, quanto nos dias ruins. Ela -- que cantava como um uirapuru – morreu como um beija-flor, deixando um pingo de néctar dentro da grande cachoeira de absurdos, que corre em todas as vidas.
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